TEXTOS - ASSEIO
LIMPEZAS ... (Quarta, 14 Setembro 2011)
Anos atrás, em uma das conversas que a minha professora de Ikebana tinha connosco ela falava sobre a forma como decorriam os trabalhos do Dojo de Ikebana que tinha visitado no Japão. Dizia ela que o espaço interior era limpo várias vezes ao dia, e que antes e depois de cada aula os alunos faziam a limpeza do espaço mesmo estando ele limpíssimo e que no final da aula o processo se repetia. Não é um caso de distúrbio obsessivo compulsivo que observamos no comportamento de algumas pessoas. Porquê esta preocupação "exagerada"? Quem pratica uma arte num espaço designado por Dojo, e que compreende os princípios que o mesmo representa, sabe que o respeito, tanto por aquilo que o espaço representa como pela etiqueta, os bons modos e a educação, são determinantes para definir a qualidade da Escola que possui esse espaço, assim como o carácter das pessoas que o frequentam. É frequente em lugares onde vários grupos diferentes praticam observar situações que no mínimo se podem considerar confrangedoras, pela falta de asseio, pela manipulação de objectos que estão expostos, que são do espaço e não dos seus frequentadores. Imagine-se entrarmos na casa de alguém e cuspir para o chão, deixar papéis e outros objectos espalhados ou abrir as gavetas dos móveis e vasculhar o que lá está. Comentários? ... Mas acontece isso em espaços que são Dojos e em outros que são locais públicos usados por diversas pessoas. Não podemos culpar alunos que não estão preparados mas isso não impede que se aja e que perante situações repetidas não sejam tomadas medidas correctivas mais enérgicas. A ausência de respeito pelos outros é sintomático do estado de evolução pessoal de cada um e daí a importância que se dá à limpeza exterior e interior de cada um, alunos e professores, assim como ao espaço que se frequenta. Iniciar a aula com a limpeza, soji, representa o respeito pela arte que aprendemos e pelos outros que connosco irão partilhar o processo de aprendizagem, para além de ser um bonito gesto de humildade. Antigamente um aluno tinha o cuidado de fazer higiene pessoal, antes de ir para os tatamis de forma a não incomodar os outros com cheiros e aspectos que para além de poderem ser repugnantes podem ser ocasionadores de doenças. No final a limpeza do espaço era um sinal de respeito pelos que vinham a seguir e que devia ser feito de forma discreta a fim de não poder ser uma atitude de vanglorização de quem fazia essa tarefa. Humildade de novo. Quando um professor, ou aluno, não entende isto então não entende nada. Por limpeza compreende-se o asseio físico e psicológico, que passa por atitude de respeito sonoro, evitando barulhos perturbadores. Em jeito de brincadeira, mas muito a sério, digo que a primeira aula que se deve dar a um aluno é a explicação de como se deve usar uma instalação sanitária. Quando estamos num momento de privacidade devemos ter presente que o espaço, nomeadamente se for público, deve ser usado adequadamente e deixado num estado de maior limpeza maior do que aquele em que foi encontrado. É nesse momento que observamos se o aluno, estando sozinho, entende o que é o respeito pelos outros. No início de cada ano é costume a limpeza geral, osoji, e que representa a remoção do que não interessa do passado e a preparação de uma nova atitude de estar para o futuro, para além da higiene física. Os nossos egos, hoje mais que nunca, estão centrados em processos de autopromoção, porque estamos fragilizados, e isso vai-se reflectir em actos simples e básicos como a higiene. Vivemos numa sociedade quase esterilizada mas os corações e as mentes nunca estiveram tão sujas. Faz parte da responsabilidade daqueles que fazem um trabalho educativo, de preparação do carácter dos outros, não descurarem estes aspectos simples, pois eles são o cimento que mantém os tijolos unidos e que permitem enfrentar as tempestades sociais que vivemos. Limpeza é respeito por nós e pelos outros ... simples não? |