“Um discípulo de Cristo observa um cadáver de cão na beira da estrada e comenta: - Que triste visão! - E desvia o olhar incomodado.
Cristo olha para o cão e comenta: - Que belos dentes ele tem!” Conto Sufi Um conceito que é estranho para a maioria dos ocidentais, nomeadamente para os “modernos” é a beleza que está subjacente à imperfeição. Li tempos atrás um artigo de um teórico que afirmava que a beleza do rosto humano residia na sua simetria. Quanto menos simétrico mais “feio“. Estas conclusões baseavam-se num inquérito realizado numa universidade nos EUA. Acredito que talvez não seja difícil encontrar conclusões semelhantes em outros locais no Oriente, nomeadamente aqueles que se encontram fortemente ocidentalizados. Em diversas artes, principalmente no Oriente, a utilização da assimetria, do vulgar, do usado e do imperfeito valorizam e dão carácter à obra de arte. Recordo uma história contada pela nossa professora de Ikebana a propósito de uma exposição de arranjos florais e de um vaso. Uma aluna da professora tinha adquirido um vaso muito bonito e toda satisfeita dirigia-se para a exposição onde tinha a intenção de produzir um arranjo que produzisse a admiração de quem o olhava. Ao entrar nas instalações aconteceu uma tragédia - o vaso caiu ao chão e quebrou-se. As lágrimas surgiram no rosto da senhora que sentiu naquele momento a impossibilidade de produzir um arranjo belo. A professora olhou para o vaso quebrado e sorriu dizendo: - Mas agora é que ele está belo! A verdade é que o arranjo floral foi feito e foi no vaso quebrado que as atenções se fixaram e a beleza das flores se realçaram tornando-se alvo da admiração de quem olhava. Wabi Sabi ou perfeita imperfeição é uma abordagem estética que pretende apresentar a quem olha, melhor dizendo - observa -, a consciência no natural e do efémero da vida. Quem teve a oportunidade de apreciar uma chávena de chá na chanoyu (cerimónia do chá), uma lamina reluzente a contrastar com uma tsuka (a pega do sabre japonês) usada e “suja” por anos de prática, os pingos salpicados da tinta negra no papel de uma obra de Sumi-e (guardo com carinho um pintura japonesa a tinta da China feita por Shidoshi Jordan e Shidoshi Juliana que a dado momento obteve uns salpicos lindíssimos) ou de Shodo (caligrafia), ou ainda a folha ou flor imperfeita que se realça em um arranjo de Ikebana, poderá sentir a humanidade, a história dos momentos vividos e a consciência que somos uma ínfima partícula animada num universo onde o Caos e a Ordem se interligam. Talvez então teremos entendido a beleza da imperfeição, não como objectivo a atingir mas como facto que existe e aceitação da realidade como ela é permitindo abrir as portas para a nossa mudança interior. Termino com outra história conhecida. Um dia um monge limpava o jardim e depois de ter tornado o espaço imaculado e limpo chamou o seu mestre para dar um parecer. O mestre olhou e torceu o nariz. Dirigiu-se a uma árvore que sacudiu para que caíssem folhas no chão dizendo depois: - Agora sim. Está perfeito! O monge ficou espantado e entendeu. O monge era Rikyu e tornou-se o grande mestre da cerimónia do chá. |